sábado, 12 de dezembro de 2009

Trecho de uma monografia ...

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O problema com a tradição é evidentemente o problema do fundamento. Esta, segundo Heidegger, deixou que imperasse sem resolução se o problema do fundamento era também o problema da razão suficiente. “O princípio da Razão parece, como um princípio supremo recusar de antemão algo tal como o problema do fundamento” (HEIDEGGER, 1989, pag. 89). Vendo este problema sem resolução, Heidegger conduz o problema da razão ao caráter não predicativo; é porque a razão para se sustentar apelava para si uma noção de verdade como adequação à coisa – podemos até mesmo dizer que nisto opera uma redução do lógos – ou seja, a verdade é uma dedução propositiva que faz concordar palavras e coisas. Verdade proposicional apela para o uso da gramática, que por sua vez opera sobre as estruturas de sujeito e predicado, p. ex: a casa é azul. Mas com isso, tal tradição mantém intocado um problema de entender, deste predicado, seu caráter para além de mero predicativo do sujeito, já que se manterão intactas duas relações nominais, no exemplo a casa e o azul; o predicativo é exatamente a copulação. Entender o que é o predicativo e como acontece o predicativo é que passa despercebida, bem como de que modo uma coisa que tem estrutura nominal pode ser ao mesmo tempo predicado por outro nome. Conduzir então para um momento não predicativo seria adentrar no âmbito da revelação; falando em grego estamos no âmbito da physis, das coisas em seu aparecer, irromper, das coisas em sua transcendência.
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A tarefa é: quanto menos se diferenciar um de fora e respectivamente um de dentro, quanto mais se puder compreender da totalidade de mundo esta unidade de sentido, mais perto se chega da estrutura transcendente que a Presença sempre é, pois o transcendente da Presença com relação ao mundo se mostra na compreensão de que ser-no-mundo é sempre já-ser. O ser-aí visto como primeira possibilidade, a abertura, o ente que compreende o ser, não denota nunca uma subtração temporal ou espacial com relação ao mundo (ser-aí nunca é menos ou posterior a mundo). Presença é, portanto, já-ser sempre junto ao mundo. O mundo já sempre é com o ser-aí. Voltar atrás na analítica é tão mais um processo de contextualização em que todos os tempos possíveis confluem. Dizer que se trata de origem, de essência, não significa dizer que primeiro há um mundo e depois um ser-no-mundo, ou o contrário, primeiro um ser e depois um mundo, mas ambos constituem juntos, se fazem. É uma estranha relação de dentro e fora (...)

A festa do pensamento, sua força originária e seu pleno vigor, não são como muito se acredita, em poder fazer uso das coisas, de apropriar-se e relegar todas as coisas a um certo utilitarismo, ao formalismo logicista, mas em, num movimento contrário, se lançar nas coisas. Não se trata de mera representação. O pensamento que apenas representa mantém oculta a presença em seu aparecer, que é justamente sua essência. Seria como dizer que, num mundo onde as coisas estão prontas, onde as coisas têm especificidade e finalidade pré estabelecidas, onde o sentido está noutro lugar que não na presença, este mundo é menos mundo, simplesmente porque é incapaz de enxergar nisto que é unicamente o lugar da essência - uma atividade e um agir finitos – o espaço do possível necessário. E tudo isto diz a compreensão de transcender, quando é capaz de enxergar uma unidade de co-pertencimento originário entre fundamento e liberdade a partir da finitude. Na emergência do ser, depara-se com a não medida das coisas e com seu velamento[1], um aparente e ingrato nada que esconde todas as possibilidades, um não que não é nem um pouco negativo ou privativo. Neste nada, nada se priva.



[1] No original em alemão, Unwesen, que na edição consultada para este trabalho é traduzido ora por não essência, ora por desordem. Para problemas com a tradução foi consultado Inwood, Michael. DICIONÁRIO HEIDEGGER Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 2002


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