sábado, 5 de dezembro de 2009

Recorte de uma história provisória.

Coloco-me em questão, ainda prematuro em filosofia. Coloco a minha atividade em questão, com o desejo de colocar o meu tempo, suas questões e, como nos ensina Derridá, todas a suas impossibilidades, ou seja, um desejo de pensar tão radical que possa não fundar novas maneiras de pensar, mas, ir ao limite de cada questão, extrapolando-a, trazendo dela não uma resposta, mas, sempre a renovação de todo questionar.
Vamos então, a partir do recorte feito no título, pensar algumas destas questões.
Esse vazio na filosofia e da filosofia é chamado de niilismo. O niilismo foi o movimento, foi o grande acontecimento que possibilitou a passagem-ruptura da filosofia moderna para a filosofia contemporânea, foi ele quem criou esta passagem-ruptura, mas, isso não se deu, como já fizemos alusão com o termo passagem-ruptura, de modo linear e tranqüilo, foi, ao contrário, de modo violento, impositivo, destrutivo, para usar um termo que parece ser o traço mais marcante do niilismo. O filosofo que, ao mesmo tempo, viveu e construiu (mas não construiu nem viveu sozinho, que fique claro) tal acontecimento é Friedrich Nietzsche, mas ele não só viveu e construiu tal acontecimento nem, também, só viveu e construiu a passagem-ruptura entres estes dois mundos filosóficos, como tentou sempre ter papel ativo em tudo. Tentou, e, podemos dizer, ainda tenta, sempre responder de maneira afirmativa e criativa a tais acontecimentos (iremos ver também o que é para Nietzsche formular tais respostas e porque elas devem ser formuladas), por tudo isso, ele é a pedra inicial e fundamental para montarmos nossa ruína.(ruína não tem aqui o sentido de destruição negativo ou pessimista, e sim, de estado desarticulado e desestruturado da nossa filosofia contemporânea).

1. De uma possível História do niilismo
Aqui é necessário uma definição inicial e provisória do que vem a ser niilismo, apenas suficiente para seguirmos adiante, já que tal definição só será possível em sua complexidade, com o desenrolar do texto e do desdobramentos de suas reflexões. Podemos, inicialmente, procurar a definição etimológica do termo. Vamos ao livro O Niilismo de Franco Volpi, “Etimologicamente significa – do latim nihil (nada) – é o pensamento obcecado pelo nada” (O Niilismo, de Franco Volpi, pág 9). Essa definição remota, inclusive e necessariamente, a tempos anteriores ao de Nietzsche. Poderíamos então, mais uma vez, como faz Volpi, nos transportar para o início da reflexão sobre este tema, ai, encontraríamos Górgias no seu discurso sobre a impossibilidade efetiva da existência de qualquer coisa, já que só existe o que passível de conhecimento e, no fim das contas, mesmo se conhecêssemos, o que não é possível, não poderíamos comunicar nada, logo, não é possível que nada exista para mim, nem poderá existe pra mais ninguém. Faço esta lembrança só para demonstrar o quão longe vai a reflexão sobre o niilismo, como ele é extenso e se atualiza sempre de acordo a sua necessidade de sobrevivência e fortalecimento, uma atualização que inclusive, não se remete, necessariamente, a uma origem. Quando nos deparamos com o niilismo, sua extensão, e com a tentativa de defini-lo quase damos razão a Górgias, impossível de conhecer, por isso, impossível de comunicar, impossível de existir. Mas ao contrário, e pela situação mesma de nossa filosofia hoje vemos que mesmo sendo árduo o trabalho para uma possível definição e exposição, ele não só existe concretamente, como a partir, do seu caráter de auto-atualização e fortalecimento, ele nos sufoca hoje, deixando este gosto amargo na nossa boca, sujando toda palavra que sai dela, e um ardor nos nossos olhos, não permitindo um esforço maior para vermos alem da fumaça densa. Mas o niilismo que nos deixa assim, o contemporâneo, não é o mesmo do Górgias. Vamos então a caça dos seus traços.
Seguindo o rastro desta história (uso o conceito de rastro no sentido derriadariano, como rastro de uma ausência, ou seja, quando se busca o autor de tal rastro não se encontra, só se encontra o rastro diferido, “... Da saída para fora da clausura deste esquema procurei eu indicar o alcance através do rastro, o qual é tanto menos um efeito quanto não tem causa ..." - Margens da Filosofia - A Diferença, pag 41), podemos começar uma aproximação com o escritor russo do séc. XIX Turgueniev, que se dizia o criador do termo, mas como já vimos, esta é uma afirmação falsa já que tal termo, e seu uso, já aparecia em reflexões muito anteriores à suas. O que temos de novo em Turgueniev é a sua sensibilidade para relacionar o sentimento radicalmente destrutivo de seu tempo com o termo que melhor falava este sentimento e desejo, o niilismo.
No seu livro "Pais e filhos" ele faz uma apologia do niilismo como um tipo de teoria e ação política, isto viria a ser chamado niilismo político russo. Era então uma atitude destrutiva radical e irrestrita de valores que conservam a ordem estabelecida da sociedade russa. No livro vemos um confronto de gerações, entre um pai que de maneira reformista e sendo influenciado pelas idéias humanistas tradicionais e o filho que, nas palavras de Volpi( Idem, Cap 2, pag 11) "rebelde, materialista e sem ilusões" entram em confronto sobre como agir diante da situação russa. No personagem do filho, Turgueniev, retrata o pensamento político que estava nascendo com muita força em sua sociedade. Segue-se a este livro, de uma sensibilidade aguda em relação à situação histórica-política de sua época, uma série de acontecimentos onde esta teoria se transformou em ação radical contra todo valor e convenção. Esses acontecimentos tiveram influência também sobre o que Nietzsche pensou sobre o niilismo. Mas antes de chegarmos a Nietzsche, vamos ao primeiro uso filosófico do termo, para mostrar, o que em Nietzsche se torna sólido e o que será radicalizado, mas também, repensado por Nietzsche, dependendo de seu interesse.

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