sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Tarefa de Ruminação: leitura, interpretação e notas acerca da "Genealogia da Moral" (ainda inconcluído, e talvez, para sempre)

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Para uma bem aventurada leitura da Genealogia da Moral, o próprio Nietzsche nos dá algumas dicas:

<<Se este livro resultar incompreensível para alguém, ou dissonante aos seus ouvidos, a culpa quero crer, não será necessariamente minha (...) a forma aforística traz dificuldades (...)para a qual se requer uma arte da interpretação>>

Com isto, Nietzsche não nos dá apenas a dica de como ele quer que seja lida a sua obra, mas também - e, sobretudo- o que ele quer com a sua Genealogia. Para isso, o próprio também nos deu algumas dicas: <<Necessitamos de uma crítica aos valores morais, o próprio valor desses valores deverá ser colocado em questão>>.

E também:

<<Não existem coisas que mais compensem serem levadas a sério; sua recompensa está, por exemplo, em que talvez se possa um dia levá-las na brincadeira, na jovialidade>>.

"Fazer crítica", e para isto Nietzsche sabe muito bem, é preciso ir até os elementos históricos, documentais, como diria Foucault parafraseando o próprio N - a genealogia é cinza...
Mas é preciso mais que tudo - e a isto o sentido histórico vem a servir - situar-se dentro da vida: <<Nas experiências presentes, receio, estamos sempre "ausentes" - Aforisma 1 do Prólogo>>. E por isso se disse: NECESSITAMOS de uma crítica.
Então o que aparece como apenas uma pergunta, se mostra essencial e ganha contornos de uma reconhecida cânone nietzscheana: a vida não pode ser entendida a partir da moral e da compaixão. Torná-las um problema vem a ser um rigoroso trabalho de destruição, porém, uma arquitetônica destruição. Pergunta-se então: O que significa situar-se dentro da vida?
No prefácio assim está escrito: <<não mais busquei a origem do mal por trás do mundo>>. Em substituição a isso, coloca-se:
<<sob que condições o homem inventou para si os juízos de valor "bom" e "mau"? e que valor eles têm?>>
Não mais buscar atrás do mundo. Nos primeiros aforismos da primeira dissertação, aponta-se sarcasticamente à pesquisas empreendidas em direção a um lado vergonhoso do próprio humano. O grande incômodo de Nietzsche é ver nesses pesquisadores toda uma inércia coercitiva, em que na mesma tendência em que surge a moral - o valor moral como negação absoluta de valores, negação contra hierarquias - esta mesma tendência permanece no entusiasmo destes pesquisadores, que buscam no lugar errado a solução para a origem dos valores morais. Nietzsche aponta então a sua verdade, e também o seu método: ao longo da primeira dissertação encontrei ao menos 3 métodos com os quais N. instrumentaliza a sua pesquisa, são eles: a etimologia (filologia), o sentido histórico -estes dois primeiros vindo a se confundir entre si-, e por último a valoração. Esta, a pedra filosofal de Nietzsche, seu método fundamental. Com a valoração, e somente com ela, é que este filósofo ao fazer pesquisa histórica e ao estudar a etimologia das palavras, pode chegar às conclusões de suas obras, mais propriamente desta Genealogia. Com ela, N., para tudo que olhava, se perguntava: há força nisto? Isto promete vida? Isto propaga crescimento, ascensão?

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A primeira dissertação empreende uma distinção de tipos que são de grande importância dentro do pensamento de Nietzsche. Ele fala do nobre, contrapondo o vulgar, fala do ressentido e do sacerdote, contrapondo ao guerreiro. Tais distinções, como se sabe, são estamentais, mas é um traço espiritual que deveras importa: Segundo um traço típico de caráter: e é este o caso que aqui nos interessa. (af.5)
Até o aforisma 6, Nietzsche traça a distinção básica no modo de valorar "superior". E apresenta, ainda no 6, o sacerdote, o tipo "impotente", que constitui o passo decisivo da interiorização do homem, que torna-o interessante (acerca do tema da interiorização do homem, a segunda dissertação me parece tratar mais de perto).
<<Na história universal, os grandes odiadores sempre foram sacerdotes, também os mais ricos de espírito>>

A partir da inversão realizada pela interiorização do homem a partir da consagração das castas sacerdotais no poder, é que passa-se a ter os miseráveis como bons, os pobres e os doentes. Entretanto, ainda que metódico e documental, creio que Nietzsche esteja sendo sempre inventivo - mais inventivo que factual. Com a genealogia, a história passa a ter um peso menos dogmático e ganha pretensões mais interpretativas, e por isso também, poéticas. Trata-se de um trabalho histórico de descedimentação na e pela palavra. Antes, trata-se de um voluntário trabalho histórico de descedimentação na e pela palavra, pois não poderia ser diferente., i. é. não há um lugar fora do discurso. Talvez a lição da genealogia como método comece pela ordem do dizer. Ainda que de difícil conclusão, o caminho da palavra tem sua importância inegável dentro da obra de Nietzsche.

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A tese de que um genealogista não deve mais buscar a verdade "por trás" do mundo é a constatação - e a confirmação - da prevalência do aparecer tal qual oss gregos entendiam. (Seria interessante, porém incabível aqui, realizar a aproximação entre este pensador e a fenomenologia). Em lugar do "por trás" do mundo, Nietzsche foi até às invenções e ao solo propício para que elas se realizassem. A partir disto, somente, é que se poderia ver o erro das pesquisas que imbutiam na moral a utilidade, o esquecimento e não viram nelas algum tipo pervertido de valor - ou desvalor - e só então prosseguindo com a questão do valor (e não mais da moral) que se poderia entender as transformações, as decadências e inversões que desaguariam na fundamentação moral.
Então pergunto: o que há de tão fétido e irregular na moral, que mereça sua destruição, humilhação e por fim, comédia?
Respondo: É que entendendo vida enquanto vida não há nada advindo de outro lugar, outra parte que não dela mesma, que tenha autoridade para julgá-la, e o resultado disto é um modo de valorar (ou de viver) sempre desigual, múltiplo, por vezes cruel, e sobretudo sem salvação.



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