quinta-feira, 10 de março de 2011

Enfim ele: Emil Cioran, o mártir da lucidez.

A decepção lhe encobre o rosto, lhe emudece a voz, mas a pena continua a pulsar, destemida, vibrante e desencantadoramente acida. Emil M. Cioran, filósofo romeno radicado na França, falou pouco publicamente durante sua vida, não acreditava nas palavras, mas, quase forçosamente (ou pelo menos, é isso que ele quer nos fazer acreditar), escrevia. Não era apenas descrença em relação à palavra, Cioran simplesmente achava que a atividade de nomear algo era inútil, era um sinal da pretensão e da fraqueza humana, da impossibilidade de viver e sentir o objeto nomeado em sua finitude exasperada, era um sinal de não saber lidar com o mundo em seu tenebroso devir, uma maneira de esquecer este devir. Como conseqüência dessa impossibilidade e da teimosia do homem em não percebê-la e obedecê-la, ou seja, criando as mais variadas teorias éticas, teológicas, ontológicas, até as teorias sociológicas, antropológicas e etc, o homem seria como um animal errante que pelo excesso de crença (inclusive nos conceitos mais racionais) ou de descrença (este seria o caso do homem contemporâneo), seguiria causando com grande maestria sua própria destruição. Por isso, Cioran trabalhou incessantemente na condenação de todos os sistemas de pensamento. Segundo o próprio:

Mas por outro lado ele reconhecia que era impossível ao homem não tentar nomear as coisas, não tentar forjar teorias de explicação do mundo e do devir, era instintiva no homem esta auto-sabotagem. Proclamando esta sabotagem e falando-nos de sua descrença, advinda de um olhar radicalmente lúcido para os acontecimentos humanos e a história do pensamento (como a citação acima deixa claro), ele escrevia. Este olhar e a escrita que ele gerou denunciava a incapacidade fundamental do homem chegar ao absoluto, incapacidade enraizada no seu próprio corpo. -Corpo, espaço aberto da degeneração e dos limites ordinários e nojentos dos homens-. Diante deste espaço, o corpo, e desta incapacidade, o que, segundo Cioran, seria o correto a fazer? Existiria algo efetivamente correto a ser feito?

A indiferença, a preguiça e a dúvida seriam as verdadeiras virtudes de um homem, só com estes sentimentos esta besta irreparável andaria sem causar tanta destruição. Nesse sentido ele chaga a fazer um elogio à letargia:

Assim, seguir escrevendo poderia tanto ser sinal da impossibilidade fundamental do homem, ou seja, tentar, pela mordaz ignorância arrogante, parar e rebaixar aquilo que não tinha e nunca terá nenhuma familiaridade com o nosso mundo errôneo (principalmente se pensarmos a crítica feita por ele aos escritores contemporâneos, que segundo ele, sempre escreviam de mais e não tinham mais nenhuma noção do absoluto, rebaixando a literatura ao lugar de dramas que, a partir, principalmente das novas disciplinas do saber -psicanálise, antropologia, sociologia e etc- tentavam tratar de tudo, mas não falavam essencialmente de coisa alguma), quanto demonstração da única maneira virtuosa de se viver em meio a esse redemoinho de fanatismo e sangue, a saber, a escrita lúcida e cética. Esta lucidez é diferente da consciência, que é pequena e tem relações históricas com a chegada de certo tipo de pensamento ao poder, digamos assim.

Aqui faço um pequeno corte, necessário, para focar, na crítica que citei acima, feita aos escritores contemporâneos. Este corte nos ajudará a definir melhor as diferentes formas de crítica que aparecem na obra do filósofo romeno, e consequentemente, o elogio a certa maneira de escrever.

A crítica ao pensamento contemporâneo é dupla. Primeiro questionando os fundamentos das novas disciplinas do saber, que, para Cioran, eram fundamentos imprecisos e pouco rigorosos, conseguindo, contudo, arrecadar inexplicavelmente tantas e tantas cabeças ao seu redor. Depois, colocando em questão os fins que justificariam os tais pensadores. De grosso modo Cioran ver uma semelhança fundamental entre escritores e pensadores contemporâneos. Todos eles se preocupavam demais com a vida humana e seu perpétuo melhoramento, esta havia se tornado a grande finalidade, numa postura marcadamente hedonista. O prazer carnal, a gastronomia, as disciplinas humanas, como já citamos acima, tudo isso era o sinal maior de uma decadência que havia começado na modernidade, com a fé nos conceitos, na racionalidade do homem. O mundo contemporâneo era o ápice do abatimento e do desprezo em relação às forças ‘superiores’ que moveriam o mundo.

“Quem, lúcido, se compreenda, se explique, se justifique e domine seus atos, jamais fará um gesto memorável.”

Podemos ver claramente que a diferença do pensamento antigo para o pensamento moderno e contemporâneo se dá no esvaziamento transcendental das novas disciplinas. Estas nunca tiveram como meta principal de seu projeto investigativo e conceitual atingir e viver o absoluto -o que de qualquer modo seria impossível, mas a entrega é sempre louvável e digna- antes, insistiam sempre em privilegiar o homem e o seu universo social como ponto de partida e chegada para as mais diversas digressões. O paradigma da consciência moderna vai progressivamente colocando o homem como centro e princípio, fechando os olhos para tudo que nos transpassa e determina. Usando um termo nietzschiano que vem bem a calhar, era o homem doente do homem, ou como o próprio Cioran dizia:

“Vivemos em um clima de esgotamento: o ato de criar, de forjar, de fabricar é menos significativo por si mesmo que pelo vazio, pela, pela queda que se segue a ele. Comprometido por nossos esforços sempre e inevitavelmente, o fundo divino e inesgotável situa-se fora do campo de nossos conceitos e de nossas sensações”

Como em qualquer outro homem, ou filósofo, todo esse filosofar amargurado e desiludidamente lúcido saia do seu próprio corpo. Esta é, aliás, uma especificidade interessante do Cioran. Ele dá a fisiologia um papel fundamental na sua filosofia, não é o primeiro nisso, mas parece ser o primeiro a marcar a influencia indispensável e negativa do corpo e suas debilidades para o caminho da sua filosofia, não como algo exterior, como um obstáculo à filosofia, mas como uma debilidade constituinte de todo patético filosofar.

Um dos aspectos da filosofia fisiológica do Cioran é a atenção que ele dispensa para a insônia. A insônia que lhe acompanhou desde sua adolescência até sua morte, foi fundamental em sua compreensão lúcida da vida. A insônia fez do jovem Cioran um transeunte soturno, passava noites e noites em claro vagando, primeiro, por sua cidade e logo depois por Paris, a cidade em que viveu toda sua vida adulta. Filosoficamente fundamental é a conseqüência da insônia, ela engendrou nele uma visão do tempo como algo imóvel. O que existia era a eternidade com suas diabruras, e o sono era uma dessas diabruras da eternidade, fazendo do homem este animal tão fácil de iludir. Dormia e tinha a ilusão de mudança, de recomeço, quando na verdade era só mais do mesmo, ou seja, a eternidade em seu movimento próprio e devir infindo.

Dessa visão da eternidade saída das madrugadas sem fim que a insônia lhe proporcionou, Cioran nos deu outro modo de pensar a história. Para ele a história não é linear e progressiva, era uma página de grandes tristezas e arroubos irrepetíveis de genialidade. Um povo tem seu espírito e ele irá se perpetuar até que aquele povo consiga degenerar este espírito. O homem, esse animal coletivo, cuja solidão, técnica de refinamento do espírito, lhe é imprópria, sempre exgarçarar a força que o criou, por utopias, as mais patéticas. Voltamos a afirmar, não tem outro jeito, até por que, como o próprio Cioran diz: “A lucidez completa é o nada”.

Assim como há os arroubos de genialidade, há também, por outro lado, momentos privilegiados onde podemos ver a formatação quase exata da decadência. Antes, porem, de nos depararmos com esses momentos, vamos rapidamente ver o que para o nosso autor vem a ser decadência: “Os mitos tornam-se novamente conceitos: é a decadência (...)”, ou ainda: “A decadência não é outra coisa senão o instinto tornado impuro pela ação da consciência.” Vemos com clareza a ligação feita entre progresso racional e decadência, a formalização do pensamento e a perda das intrigantes referências do absoluto nos jogaria no pequeno mundo das verdades demonstráveis, destituindo o mistério para no seu lugar colocar a prova, tudo se prova, todo argumento, tudo se iguala e enfraquece, decadência!

“E se busco a data mais mortificante para o orgulho do espírito, se percorro o inventário das intolerâncias, não encontro nada comparável a este ano de 529, no qual, por ordem de Justiniano, a escola de Atenas foi fechada. Uma vez oficialmente suprimido o direito à decadência, crer torna-se uma obrigação... Este é o momento mais doloroso na história da Dúvida.”

Diante dessa visão da história, como um sem fim de horrores, seria ridícula a idéia humana de designar um objetivo, uma finalidade, a todo este triste teatro que se desenrolará para sempre. Nós, contemporâneos não somos dignos nem dessa eternidade que nos espera, por desprezá-la, por louvarmos longa e fervorosamente a nossa mediocridade, por não querer sair da ilusão hedonista que vivemos. O homem moderno conquistou a liberdade, os direitos, a tranquilidade, mas o vazio é imenso, mais que o grande vazio, o que identificava o homem moderno é o esgotamento, a náusea e a sensação de inutilidade diante das conquistas modernas, todas demasiadamente carentes de absoluto, de transcendência, enfim, de uma força fundamental que fosse capaz de forjar e justificar sempre e de novo a existência humana, como foram, para Cioran, as obras de Homero, Bach e Shakespeare.

Para finalizar acho fundamental, ao menos, dois esclarecimentos. Um sobre algo que já está no texto, a saber, a pertinência, e até mesmo a positividade, da escrita em Cioran, o outro para tentar acalmar os mais apressados, aqueles que logo ligariam tal filosofia a um elogio ao suicídio.

Bem, para tentar jogar um pouco mais de luz à questão da escrita, acredito que como um bom pessimista e refinado blasfemador, Cioran escreve para dissolver tudo que for frágil no pensamento ocidental, para desdenhar e destituir a ilusão mesquinha e egoísta de progresso, por exemplo. Mesmo aquelas teorias mais consistentes podem sofrer um dano irreparável pelas mãos céticas, pelos olhos lúcidos e pelas gargalhadas desiludidas e sarcásticas deste que é uma dos maiores pessimista do sec XX. Ele escreve, por fim, para restituir a dúvida fundamental em todos os espaços desta sociedade fria e cheia de pequenas certezas, alargando os limites do pensamento. Essa tarefa é absolutamente positiva, diluir certezas seculares ou certezas pouco rigorosas é uma ótima forma de limpar o solo para pensamentos futuros, que se interesse em criar um mundo novo, tão forte quanto ele pode ser.

Chagamos ao fim da nossa pequena exposição sobre este que agora podemos chamar (talvez) com menos terror de mártir da lucidez.

Referêmcias Bibliográficas

Emil M. Cioran__Breviário da Decomposição.

História e Utopia

Silogismos da Amargura

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Comentário da obra "Esporas" de Derrida

Este texto de Derrida convém com toda uma prática pensante exercida pelos leitores de Nietzsche; ele se insere no encaminhamento de uma aproximação com a arte, de uma superação da moral dogmática cristã, em suma: de ver a vida sob a ótica que melhor lhe faça justiça, o que em todo caso este ver a vida já seja entendido também como um viver a vida. Talvez tal pleonasmo devesse, numa linguagem mais nietzscheana, ser dito como um querer a vida. Assim, me parece que entre os leitores de Nietzsche exista tal cumplicidade que, entretanto, só pode ser afirmada enquanto houver alguma divergência.
Derrida remete-se então ao tema da mulher, uma constante nos textos de Nietzsche, o qual por sua vez oferece argumentos para não duvidarmos que ela, a mulher, fosse uma preocupação central deste. Ou, melhor ainda, pela figura da mulher atinge-se uma questão que esteja sendo constantemente proposta e visada pelo filósofo alemão, o que em todo caso é ainda falar da mulher.
Mas – o tema, a princípio, não era a mulher. O subtítulo diz: os estilos de Nietzsche. Antes do subtítulo, o próprio título: Esporas.
Por que falar dos estilos de Nietzsche conduziu ao tema da mulher? E o que o nome Espora tem a ver com isso?

A questão do estilo: é sempre o exame, o peso de um objeto pontudo

E aqui temos do estilo à espora, o objeto pontudo, que em um só relance nos remete ao estilete (que pressupõe o estilo), ao punhal, a uma flecha; e também uma caneta, uma pena que escreve. Com isso alcança-se a dimensão do co-pertencimento: o texto e a escrita, significado e significante e, no caso deste texto, feminino e masculino.

Deixemos o élitro flutuar entre masculino e feminino.

O resultado desta flutuação é um novo encontro com esta distinção (que também é metafísica) entre o feminino e o masculino, passando em vista por um âmbito que não se limite ao que é somente masculino e feminino, i.é, é preciso que se apague essas duas figuras de oposição homem/mulher para que em algum momento possa-se novamente falar acerca da oposição, reconhecer homem e mulher; e para isto, foi, para o próprio Nietzsche, necessário fazer-se mulher.
Deveríamos aqui, concordes com a proposta do estilo, lembrarmos que a mais clássica concepção de filosofia, da palavra Filosofia e do agir filosófico, atém-se ao desejo, ao Eros. Toda a noção clássica da filosofia assenta-se sobre uma tarefa masculina, de desejantes. Deveríamos até mesmo dizer com esta proposição que, toda a nossa noção de masculino assenta-se sobre a filosofia, fundam-se um em outro, o masculino na filosofia e a filosofia no masculino (ou ao menos a uma vigência tal que se abre então uma possibilidade de masculino, esta, ocidental, do homem que conhece, que investiga a natureza, que escreve, que deseja a verdade). O resultado, ou seja, a mulher, seria a conseqüência, ou no máximo, um resultado simultâneo: só poderia haver esta mulher, porque existiram tais homens.
Entretanto, parece que a questão da mulher não é tão simples, ou não se limita apenas a este jogo de oposição; ao menos é o que quer Derrida, seguindo o rastro de Nietzsche na análise crítica da própria história, e da própria história da filosofia. Com relação a esta atividade, a de filósofo, a mulher é associada à verdade e estimada por ele. Mas, por outro lado, na medida em que os filósofos a queria o maximamente possível, não a tinha ou a tinha somente como ausência, por se posicionarem de maneira inábil neste jogo de sedução. Tem-se aí a mulher associada à própria vida, que na medida em que desejada, requer uma dinâmica, uma fluência e não dogmatismo, rigidez. Esse é o sintoma da vontade de verdade, uma vontade de vida em degeneração, que se sente fraca, que quer conservar-se e por isso, já de antemão nega a vida ainda desejando-a, pois separou vida e morte, e no que separou foge da morte no modo da conservação e perde a promessa de vida que aceita a morte em iminência. Talvez, se quiséssemos ser ainda um pouco fixos, ou dogmáticos, poderíamos ao invés de usar os termos morte e vida, os termos conservação e aniquilação, sendo o primeiro uma vontade de vida que se esvai, e o segunda uma vontade de vida que aceita a mais profunda adversidade, e por isso aceita a própria vida e seu risco mortal. Entretanto, esta própria vontade de vida mantém-se mais dinâmica e, portanto, separá-la nos termos conservação e aniquilação é ainda reduzi-la. Esta é uma evidência que a própria vida ensina. Onde repousa o critério de avaliação da vida? Creio que até mesmo os tipos apontados por Nietzsche como os mais decadentes, se perguntados, responderiam estarem afirmando a vida, fossem quem fosse, desde um sacerdote a um atleta ou artista, todos estão respondendo à vida desde onde podem responder e naquilo pelo qual eles próprios são capazes de responder.
Cito uma frase de Heidegger, interpretando o próprio conceito de vontade de poder:

Tudo que vem ao encontro é interpretado em função do poder de viver do vivente.

Será que por isso Heidegger apontou que a saída de Nietzsche foi a inversão da metafísica? Inverte-la para encontrar uma saída dela própria, uma vez que grande parte dos escritos de Nietzsche diagnosticava a decadência da cultura, a decadência da Europa, a decadência do homem. Inverter a metafísica para encontrar uma saída dela própria, isto é auto-evidente; parece que o próprio Nietzsche fez isso ficar claro, ainda que seja uma polêmica localizar precisamente onde se instala o “giro para fora”.
Mas devemos voltar à mulher, pois é a questão do texto. A mulher que vinha associada à verdade e à vida. No capítulo “Posições”, Derrida procura reduzir a um número finito de proposições típicas como intuito de formalizar a regra; tais enunciados são também preposições fundamentais e posições de valor (lembro-me do texto do Roberto Machado, Zaratustra: tragédia nietzscheana, em que dizia que a filosofia de Nietzsche é uma filosofia da avaliação).
Creio que o texto de Derrida permita que seja encontrada uma tensão entre essas figuras históricas - a mulher castrada, o filósofo dogmático -, e algo que permanece fora (além) da história - a vida, Dionísio. Estes dois são constantemente confrontado por aqueles, as figuras singulares e históricas. Neste sentido, as três mulheres apontadas por Derrida correspondem a cada uma dessas expectativas, onde na primeira ela não é reconhecida, na segunda é reconhecida e condenada, e na terceira é reconhecida e afirmada. Ora, para haver uma virada do segundo ao terceiro, a expectativa que antes negava a mulher, agora torna-se criadora, funde-se para além da dupla negação e com isto funde-se também a oposição masculino/feminino, onde feminino era sempre não-masculino.
Funde-se, o criador é também mulher na medida em que afirma. Nietzsche se comparando a uma fêmea de elefante na ocasião da “gestação” de seu Zaratustra é a imagem adequada para a ocasião. E também, o próprio estilo, ou os estilos, remetem a Nietzsche uma vontade criadora, que não se preocupava apenas em falar, mas em como falar, de tal maneira que seus estilos pressupõem uma preocupação não com método, ou não apenas com método, mas também com a forma. Uma fundição entre filosofia e arte.
A vontade criadora é, segundo a avaliação de Nietzsche, uma vontade potente, uma afirmação da vida. E também uma superação, a superação da metafísica (tradicional); com isso creio que o texto de Heidegger, A Inversão nietzscheana do platonismo, faça justiça à proposta de Nietzsche.

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De Nietzsche a Heidegger a minha ressalva subsiste timidamente a uma questão em que, na medida que me pergunto vejo e acredito haver uma resposta que, então, abre toda uma série de outras questões. Ela repousa na passagem que se faz do conceito Vontade de Poder ao conceito de Ser. Se é evidente que ambas digam o mesmo, não teria sido nunca necessário fazer tal transição de uma palavra a outra; entretanto, Heidegger o fez. O que ele queria com isto? A resposta não convém aqui neste texto, mas acredito que tenha a ver com uma volta à questão primeira da filosofia, remetida aos primeiros pensadores (pré-socráticos) e à palavra grega, o que por si só já traz inerente uma concepção da história pelo próprio Heidegger, que vê todo o movimento ocidental circular no âmbito do “esquecimento do Ser”. Não sem propósito, o texto de Derrida termina justamente citando uma passagem de Heidegger acerca do “esquecimento”.
De alguma maneira, o esquecimento possui relação com a verdade e também com o outro, alteridade; de modo que, verdade e outro podem ser também a mulher. Em todo caso, para Heidegger, o esquecimento é consubstancial ao Ser, vige à sua própria essência. Por essas e por outras razões, penso que a filosofia da diferença, enquanto proposta de pensar o outro, dirige-se em sua possibilidade mais positiva pelo esquecimento do Ser, falando de maneira heideggeriana. Mas esta é uma questão...