Gianni Vattimo, filósofo contemporâneo, funda o ‘pensamento fraco’. Numa atitude, assumidamente, hermenêutica e niilista, ele propõe uma retomada da filosofia pela escuta da historia do ser heideggeriano, da perda dos fundamentos fortes da metafísica no processo iniciado com Nietzsche, e de uma hermenêutica que entende a história da filosofia do ocidente como enfraquecimento do ser. O Niilismo é fundamental para Váttimo, primeiro porque é a questão maior do nosso tempo, depois, porque é ele mesmo quem vai possibilitar responder com liberdade e criatividade ao problema do relativismo e da aniquilação de fundamentos, sem voltar para nenhuma visão totalizadora. Ou seja, Vattimo, assim como Nietzsche, assume o niilismo como chance, única chance, ele diz, contra o próprio niilismo.
Para não perder as conquistas da filosofia em seu gesto mais violento, a saber, a destruição de todo e qualquer fundamento metafísico feito pelo pensamento nietzschiano e sua posterior afirmação de amor à vida trágica, Vattimo assume o niilismo e caminha com ele, com a hermenêutica e com a história do ser para uma nova racionalidade.
Uma racionalidade que não era mais a racionalidade forte dos fundamentos e da verdade. O desejo por esta nova racionalidade é pensado como alicerce do 'pensamento fraco' e ele, como alicerce para o sucesso dela frente ao relativismo anêmico e suicida da contemporaneidade.
Há questões fundamentais, para Vattimo, que compõem estes dois temas. Estas questões são, a descoberta, feita por Nietzsche, da ligação entre pensamento metafísico e modos de controle e poder. A não obrigatoriedade de se pensar, em oposição a esta ligação, teorias que queiram libertar o sujeito de um possível sujeição. O contrário de tal desejo, ou seja, a possibilidade de convivência harmônica, mas não obediente, em que se perceba que esta ligação é uma convenção e que, por meio de um consenso advindo desta nova racionalidade, podem se repensadas de maneira positiva, sem o peso do fundacionismo metafísico. A vivencia do ser como acontecer e refletir à meia luz, um ser que saiba ser acontecimento no estado enfraquecido em que nos encontramos. O niilismo, porque nega a força, que é afinal o fundamento de toda metafísica, ou seja, citando o próprio Vattimo, nega a "força que o próprio pensamento sempre se atribuiu, em nome do seu acesso privilegiado ao ser enquanto fundamento" (Pier Aldo Rovati e Gianni Vattimo, O Pensamento fraco, prefácio) e se coloca em uma atitude de questionamento constante. E, por fim a recolocação da ligação entre ser e linguagem sendo pensada agora como transmissão de uma história do ser para uma história do enfraquecimento do ser, que é, afinal, para Vattimo, a única história possível de ser feita, distorcida e transmitida dentro da filosofia ocidental.
Há em Vattimo, como acabamos de ver, pressupostos para o seu filosofar, a maneira de se relacionar com estes pressupostos é tão importante quanto eles mesmos. A hermenêutica niilista, método utilizado por Vattimo, é o pensamento que se instala nas ruínas da filosofia e com uma atitude de respeito, escuta e distorção, promove e propaga o pensamento fraco.
Respeito porque ele filosofará sempre a partir destas ruínas, porque será sempre um repensar da e na odisséia filosófica. A escuta tem relação direta com este respeito, só que ganha em relação ao desvelamento do ser, que agora nada mais é. Desvelamento que nunca acontece por inteiro, sempre é parcial, é preciso então atenção e escuta. Distorção é a uma das partes ativas da ontologia fraca e niilista de Vattimo, pois que, ela é a possibilidade de uso de conceitos metafísicos em seu enfraquecimento, colocando-os agora em serviço desta sua filosofia da ‘meia luz’ contra a luminosidade da metafísica.
O termo meia luz, tirado do texto do próprio Váttimo, é perfeito para falarmos deste pensamento que usa, com toda propriedade do horizonte pós-metafísico, os termos e temas da tradição contra ela mesma. Ou seja, um ultrapassamento que sempre mantém. Nunca abandona nada, sempre considera estes termos, conceitos e temas sendo constitutivos de seu passado, como referências que vão ser sempre reencontradas e pensadas como “dados do destino, no sentido de envio” (Rosano Pecoraro, Niilismo e pós-modernidade – Introdução ao pensamento Fraco de Gianni vattimo).
Tentando sintetizar o ‘pensamento fraco’ dizemos, trata-se de um pensamento de herança e distorção(distorção como remeter-se, é assim a tradução da palavra distorção para o italiano, e Vattimo aproveita tal aproximação, entre distorção e remeter-se para falar mais uma vez de algo que será sempre repensado, já que é constituinte. Mas, sempre é bom lembra que tais termos, conceitos ou temas serão repensados) da tradição filosófica como enfraquecimento do ser no horizonte niilista pós-moderno. Para superar este horizonte Vattimo pede que esta herança seja aceita em sua grandeza de ruína como único lugar de onde podemos falar articuladamente, já incluída ai uma nova racionalidade e certa idéia de consenso histórico cultural, contra este niilismo. A aceitação desta herança pressupõe, inevitavelmente, a aceitação da religião cristã. Religião que é fundada, como observa Vattimo, positivamente, sob o signo da interpretação de um livro e da fraqueza de Deus, ou seja, sua encarnação. Ter-se feito homem e habitado entre nós é o sinal desta fraqueza que Vattimo ver em toda a história da cultura ocidental, desde ai.
Depois desta pequena incursão no pensamento vattiminiano, é necessário, para fazer jus ao esforço anti-metafísico do próprio Vattimo, colocar alguns questões:
Será que Vattimo não cai em uma filosofia do mesmo, e, se assim for, volta a fundamentos metafísicos por não conseguir desestruturar isto que é próprio dele, a saber, seu fechamento em si mesmo, seu machismo, seu eurocentrismo, humanismo, ou para usarmos o termo correto, seu fundamentalismo?
Qual, então, é a real relevância da filosofia de Vattimo para nós brasileiros que sempre falamos apartir de outras línguas e culturas? Para nós que somos formados por culturas em que o Deus, único e perfeito, não chegou nem a nascer, quem dirá a morrer? Para nós que somos emoldurados por uma série de outros. Até onde essa filosofia nos serve, nos acolhe?
Fica claro que qualquer filosofia que queira ser uma resposta ao niilismo, sem recair nos fundamentos metafísicos, deve sempre se valer de uma abertura ao outro em sua radicalidade, pois, só assim percorrerá o movimento que estrutura toda questão, a saber, a não aceitação das definições supremas que sempre afasta o outro e funda todo fundamento metafísico.
Para concluir devo dizer que desconfio fortemente da precariedade e parcialidade das questões e, possíveis, hipóteses que levantei aqui. Mas ainda assim me parece ter, este discurso, percorrido parte de um caminho fundamental para pensar, com menos fatalismo e desespero, aquilo que coloquei no início: o que pode e deve fazer a filosofia de hoje, como ela se insere e como ela pode buscar o para alem do niilismo contemporâneo.
quinta-feira, 27 de maio de 2010
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